Estudos mostram que o uso de drogas antiparasitárias por um longo período, associado a controles clínicos freqüentes, pode evitar a perda de acuidade visual e a cegueira |
Novas perspectivas surgem diante dos estudos das cepas do Toxoplasma e da detecção do parasito no sangue periférico. Diante da possibilidade de identificação do Toxoplasma gondii no sangue periférico, e da caracterização da cepa, podemos avaliar se estamos diante de uma cepa mais agressiva, como as cepas mutantes, típicas da região Sul do Brasil, ou de uma cepa clássica, como as já descritas em várias partes do mundo: tipos I, II, e III. Se estivermos diante de uma cepa mutante, devemos redobrar os cuidados pela possibilidade de lesões mais graves. Das cepas clássicas, a tipo I é a mais perigosa. De uma maneira geral a toxoplasmose é autolimitada, passando de forma assintomática na maioria dos indivíduos imunocompetentes. Mas devemos ter cuidados com a possibilidade de os indivíduos estarem contaminados com cepas mais agressivas, que levam a quadros graves com comprometimento da visão central, às vezes de forma irreversível (Fotos 4 e 5).
Quando esses exames – atualmente possíveis em centros de pesquisa – estiverem disponíveis nos laboratórios de análises clínicas, teremos duas perguntas: a primeira, se o paciente tem toxoplasmose. A segunda, qual o tipo de toxoplasmose.
Um estudo apresentado no Congresso IOIS, em 2007 em Paris, mostrou que uma cepa atípica do Toxoplasma gondii pode estar associada com a doença ocular severa em pacientes no Brasil. Esses achados revelam que a estrutura genética do T. gondii é mais complexa do que se pensava e pode explicar as diferentes formas clínicas da toxoplasmose no Brasil e possivelmente em outros países. 249 pacientes examinados no Centro de Referência em Toxoplasmose em Erechim – RS foram investigados para identificação da cepa do Toxoplasma e correlação da cepa com a severidade da doença ocular. Dos 122 pacientes que apresentaram cepa atípica, 68 tinham lesão ocular (56%). Dos 127 pacientes com outras cepas, 39 tinham lesão ocular (31%). Quando foram considerados os pacientes com doença aguda e IgM reagente, dos 68 casos, 17 tinham cepas atípicas e, destes, 5 com lesão ocular (29%). Dos 49 que tinham outras cepas, 6 apresentaram lesão ocular (12%). Além de o número de casos ser mais freqüente com a cepa atípica, as manifestações clínicas também foram mais graves nesse grupo. Esses estudos vão permitir explicar por que alguns pacientes desenvolvem lesões importantes e outros não. Outra possibilidade será identificar quais os pacientes que vão desenvolver lesões oculares e quais os que têm maiores riscos de apresentar recorrências.
Numerosos isolamentos de T. gondii foram obtidos de pacientes imunocomprometidos em vários espécimes, inclusive sangue. Relatos de isolamento do sangue de pacientes imunocompetentes com toxoplasmose são raros, e apenas logo após a infecção aguda. Os taquizoítos têm sido isolados do sangue de pacientes com lesões oculares, mas não de pacientes com recidivas. Recidiva
A patogênese da retinocoroidite recidivante é controversa. A ruptura de cistos pode libertar organismos viáveis que induzem necrose e inflamação; alternativamente, a retinocoroidite poderia ser o resultado de uma reação de hipersensibilidade ativada por causas desconhecidas.
Outro estudo, também apresentado no Congresso IOIS, em 2007, mostrou que a parasitemia pode ocorrer durante a reativação da toxoplasmose ocular. O T. gondii no sangue pode ser uma conseqüência da reativação, pode refletir múltiplos locais de reativação devido a um estímulo comum ou poderia ser a fonte de lesões oculares periódicas.
A presença de taquizoítos no sangue de pacientes com doença recidivante acrescenta apoio à hipótese segundo a qual parasitas ativos são importantes na patogênese de doença ocular e têm implicações no tratamento, sugerindo que a profilaxia secundária pode reduzir a taxa de recidivas em alguns pacientes.
Em Erechim também foram realizados dois estudos, com pacientes atendidos entre 1998 e 2008, para avaliar a incidência cumulativa de cegueira e a eficácia do tratamento preventivo.
Toxoplasmose Congênita
A infecção da placenta é um pré-requisito para a transmissão congênita da toxoplasmose. A placenta se infecta durante a fase parasitêmica da mãe, que é produzida quase exclusivamente por uma infecção primária adquirida depois da concepção e, muito raramente, pela reativação de uma infecção prévia à gestação ou recontaminação. Na região de Erechim temos uma taxa de pacientes com toxoplasmose congênita de 0,3 a 1,0 caso por mil nascimentos. Nos últimos anos temos observado alguns casos de mães previamente soropositivas que têm filhos com toxoplasmose congênita. O primeiro caso foi verificado em 2001. A mulher havia tido toxoplasmose ocular em 1979 e, após 20 anos, depois de duas gestações com filhos normais, teve o terceiro filho com toxoplasmose congênita (Silveira et al. Toxoplamosis transmitted to a newborn from the mother infected 20 years earlier. American Journal of Ophthalmology, 136:2 : 370-371,2003.). Além desse caso publicado seguem aparecendo casos nessa mesma situação. Em 2006, examinamos um novo caso onde o recém-nascido apresentava toxoplasmose ocular e sua mãe havia sido infectada cinco anos antes. No ano seguinte, examinamos outro caso de recém-nascido com mãe previamente infectada. Apesar de serem eventos raros, devemos ficar atentos para a possibilidade de pacientes que teoricamente estariam isentas de risco estarem expostas a recontaminação ou reativação da doença.
Incidência cumulativa de cegueira em um período de dez anos, após o diagnóstico de toxoplasmose ocular
410 pacientes escolhidos ao acaso entre os 2,5 mil atendidos no Centro de Referência em Toxoplasmose de Erechim – RS, entre abril de 1998 e abril de 2008, foram acompanhados. Foram avaliados os seguintes dados: a acuidade visual inicial e final, o número de recidivas, o uso de medicação preventiva e a freqüência dos controles clínicos. O critério para avaliar o índice de cegueira foi a acuidade visual. Consideramos a acuidade < 0,15 como limite para cegueira legal. O número de pacientes com cegueira prévia foi catalogado, mas não foi considerado para avaliar a incidência cumulativa de cegueira. Pacientes que apresentavam acuidade visual igual a 1,0 e tiveram recidivas, com acuidade visual final < 0,15, foram considerados como “ casos” para avaliar a incidência cumulativa de cegueira.
Dos 410 pacientes acompanhados, 60 eram casos de toxoplasmose congênita e 350 de toxoplasmose provavelmente adquirida após o nascimento.
Apresentaram lesões cicatrizadas: 253 pacientes (62%). Cento e cinqüenta e sete pacientes (38%) tiveram pelo menos uma recidiva neste período.
Dez pacientes (2,5% dos casos) que apresentavam acuidade visual igual a 1,0 em ambos os olhos tiveram recidiva e ficaram com acuidade visual final < 0,15 em um dos olhos. A incidência cumulativa de cegueira no período de dez anos (1998-2008) foi de 2,5% dos casos (10/410) (Figuras 1 a 3). Nenhum dos dez pacientes havia feito o tratamento preventivo. O intervalo entre o último controle clínico e a recidiva que levou à perda de visão variou de 14 meses a seis anos.
A incidência cumulativa de cegueira de 2,5% dos casos em dez anos mostra que a evolução natural da doença traz riscos de cegueira irreversível para pacientes com toxoplasmose ocular. Dos 157 casos com recidivas em dez anos, 10 (6,3%) evoluíram para a cegueira. Os regimes de tratamento das fases agudas, independente do tipo de medicamento utilizado, não previnem as recidivas e o risco de cegueira.
Uma observação importante que está sendo relatada pela primeira vez na literatura mundial é que 5 dos pacientes que receberam medicação preventiva com trimetoprim/sulfametoxazol (1998-2000) e várias formas de tratamento com drogas anti-Toxoplasma durante 2000-2008 apresentaram sorologia negativa para anticorpos IgG antitoxoplasma, confirmados em laboratórios de referência. Não fizemos uma observação sistemática da sorologia, sendo esse resultado uma observação inesperada e que merece melhor avaliação em estudos futuros (Congresso 100 anos da descoberta do Toxoplasma, Búzios, RJ, 2008).
Acompanhamento do tratamento de prevenção
Em estudo realizado em 1998 tratamos um grupo de 124 pacientes com trimetoprim/sulfametoxazol, com o objetivo de prevenir as recidivas (Silveira et al. The effect of long-term intermittent trimetoprim/sulfametoxazole treatment on recurrences of toxoplasmic retinochoroiditis. AJO,134:41-46, 2002.). Os pacientes tomaram trimetoprim/sulfametoxazol duas vezes por semana. Ocorreram 4 recidivas no grupo de 61 pacientes tratados. No grupo controle (63 pacientes que não receberam tratamento preventivo), ocorreu 15 recidivas. Houve, portanto, uma redução de 75% de recidivas no grupo tratado.
Após término do primeiro estudo, o mesmo grupo de pacientes, previamente randomizado, foi acompanhado pelo período de dez anos, para avaliar o efeito do tratamento preventivo em longo prazo. Conseguimos acompanhar 116 pacientes do grupo original de 124 pessoas.
No grupo tratado, que teve 59 pacientes acompanhados, ocorreram 22 casos de recidivas (22/59, ou 37,3%). Dois pacientes tiveram recidivas entre 1998-2000 e 2000-2008.
No grupo controle, com 57 pacientes acompanhados, também ocorreram 22 recidivas (22/57, ou 38,6%). Sete pacientes tiveram recidivas entre 1998-2000 e 2000-2008.
Em dez anos de acompanhamento, 53 pacientes tiveram recidivas (45,7%).
Comparando os dois estudos podemos notar que o tratamento preventivo é eficaz, mas seu efeito de proteção termina quando paramos a medicação.
Em resumo, nossos estudos tornam evidente que as recidivas de retinocoroidite toxoplásmica podem ser reduzidas com o uso de drogas antiparasitárias por um longo período. Podemos afirmar também que o uso dessas drogas, associado a controles clínicos freqüentes, pode evitar a perda de acuidade visual e a cegueira.
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